sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

"Bapho" no SPFW

Direitos de imagens causam confusão na São Paulo Fashion Week


PAULO SAMPAIO

da Folha de S.Paulo

Um rumoroso bas-fond nos bastidores da São Paulo Fashion Week envolveu o fotógrafo carioca Márcio Madeira, dono do site Firstview --que tem clientes como a Vogue América e o bombado site de moda Style.com-- e a empresa Luminosidade, produtora do evento, dirigida pelo empresário Paulo Borges.


O problema começou na edição de junho de 2009, quando, além de fotografar, Madeira começou a filmar os desfiles.


Em dezembro passado, antes da última edição, ele recebeu um comunicado da Luminosidade (que já tem seus parceiros de vídeo), com um trecho sublinhado: "(...) você não está autorizado a filmar dentro dos eventos e ainda menos a comercializá-los [os vídeos]".


Madeira, que havia sido contratado por algumas grifes, respondeu: "...aparentemente, existe um desacordo entre os estilistas e vocês...eu não tenho nada com isto... resolvam com eles... se um estilista me pedir para fazer um vídeo do show dele, eu vou fazer..."


A Folha teve acesso a um termo de "autorização a título gratuito [à Luminosidade] para utilizar os direitos de imagens, sons e conexos captados durante o evento." O documento, que alguns estilistas ouvidos dizem assinar "automaticamente", dá ainda à empresa o direito de editar, dublar e comercializar as imagens.


Madeira acusa a Luminosidade de querer o monopólio dos serviços de vídeo do SPFW. "O Paulo Borges quer que todos os estilistas dependam dele, fiquem na mão dele, paguem tudo para ele. Não pensa em divulgar a moda do Brasil, mas apenas em ganhar dinheiro com o evento", afirma.


Graça Cabral, diretora institucional da Luminosidade, diz que "ninguém impediu [Márcio Madeira] de filmar, apenas não o autorizamos a comercializar o trabalho" (A empresa acabou liberando as grifes a escolherem seu próprio profissional de vídeo).


No caso de Madeira, porém, não comercializar os vídeos significava também não veiculá-los em seu site (já que isso teria como objetivo vendê-los). Ele pergunta: "Por que, então, eu fui convidado para vir ao Fashion Week? Eles sabem que tenho um site e que esse é o meu negócio. Por que pode foto e não vídeo?" A Luminosidade mandou dizer por sua assessoria que não iria responder.


Confusão


Assim que apareceu com a câmara de vídeo, e graças a um trabalho muito festejado no mundo fashion, Madeira foi procurado por estilistas. Glória Coelho batalhou para que ele, e não o produtor de vídeos Richard Luiz, recomendado pelo SPFW, filmasse o desfile de sua grife. Bateu o pé e conseguiu. Eduardo Dugois, assessor de Glória, confirma, mas diz que ela não quer falar sobre o assunto: "Não põe o nome dela, não, tá?", pede.

Procurado, Richard Luiz não retornou a ligação.


"Todo mundo tem o rabo preso com o Paulo Borges. O Lino Villaventura veio me chamar pra filmar o desfile falando baixinho, pra ninguém ouvir", diz Madeira.


Até o fechamento desta reportagem, Villaventura não havia sido encontrado por sua assessoria.


Outros estilistas confirmam, em off, que para contratar os serviços do fotógrafo, como cinegrafista, enfrentaram resistência.


Alan Kardec, que por mais de dez anos fez filmes para a SPFW, foi contratado por Madeira, mas logo recebeu uma contraproposta de Paulo Borges. Kardec diz que nunca houve problema em comercializar vídeos, mas "o fato de haver um concorrente, sempre causa um mal estar. O Márcio tem muita força no mercado".


Pressão


Madeira começou a ser pressionado no ano passado. O primeiro incômodo veio quando, no desfile de Glória Coelho, ele se instalou no melhor lugar da cabeceira da passarela, onde a precedência é dos fotógrafos e cinegrafistas contratados pela grife.


"O Richard Luiz me perguntou se o pessoal do evento sabia que eu estava filmando. Eu nunca vi isso. No mundo inteiro, se você é contratado da marca, tem o melhor lugar no pit."


Naquele mesmo dia, segundo Márcio, o "núcleo duro" da Luminosidade o procurou: "Eles me pegaram em um canto e disseram que eu não tinha autorização para filmar." A Luminosidade não quis falar.


Vivendo há 32 anos em Paris, com trânsito entre as mais importantes publicações de moda do mundo, Madeira foi pioneiro na produção de fotografias de passarela que priorizavam a roupa, e não o desfile como "obra de arte" (que dão boas "primeiras páginas"). Isso facilitou a vida das editoras de moda, que precisavam ser claras na publicação das tendências.


Com a Internet, o negócio de Madeira, antes restrito ao delivery de negativos, passou a uma escala mundial e tornou-se instantâneo. Entre seus compradores, estavam copiadores de modelos em países distantes do circuito internacional da moda: isso o levou a enfrentar complicações com grifes francesas. Chegou a ser preso ao fim de um desfile da Chanel, pagou fiança de 300 mil euros a várias marcas e respondeu a processo.


Hoje, com a falta de controle sobre a reprodução do que está na Internet, Madeira não é mais o único foco dessas grifes.


E agora, ao que tudo indica, quer correr o risco com vídeos. Mas ele diz que Paulo Borges não tem motivos para se preocupar.


"Se a Vogue America quiser comprar meus vídeos, até vendo. Mas a verdade é que não quer, porque não tem o menor interesse. Ninguém lá fora presta atenção em um evento de moda no Brasil."


Matéria reprodução da Folha de São Paulo

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